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Por Emily Moraes

A historiadora Maria Aparecida Alves da Silva, professora do ensino público em Porto Seguro (BA), desenvolveu um Pequeno Guia Prático para a Educação Antirracista. Agora, busca divulgar o documento nas escolas da região, contribuindo para combater o problema da discriminação racial. 

O documento foi criado a partir de pesquisa junto a professoras de escolas da rede pública municipal do bairro Frei Calixto, região periférica de Porto Seguro, e foi desenvolvido como parte do mestrado da historiadora em Ensino e Relações Étnico-Raciais pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

O guia, segundo Silva, é didático e apresenta tópicos como: o que é o racismo; normativas vigentes; formas de proteção frente às práticas racistas; como abordar o tema em sala de aula. “Eu reuni em um pequeno documento um conjunto de coisas que podem facilitar a compreensão do que é racismo, do que é injúria racial, do que é discriminação”, conta ela. “Esse material possibilita essa desconstrução também, de falar: ‘Não, isso não é normal. Vamos fazer diferente’.”

No guia, é abordado o racismo como uma prática de discriminação que desfavorece determinados grupos em relação a outros. O documento aponta a Constituição Federal (art. 3º) como fundamento do direito de igualdade, explana como os crimes de racismo também são definidos no Código Penal (§ 3º art. 140) e destaca ainda a importância do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10), de 2010, que tem o objetivo de instrumentalizar a população para a busca da erradicação do preconceito. 

O texto pretende, ainda, divulgar e estimular o cumprimento da Lei 11.645 de 2008, a qual torna obrigatório o ensino de história da África, dos africanos, dos seus descendentes e dos indígenas no Brasil. Segundo o guia, a lei é fundamental para que se alcance, no país, uma “prática educativa, progressista, crítica, igualitária, libertadora e democrática”.

Em seu trabalho de mestrado que acompanha o guia, a professora de 36 anos, nascida em Potiraguá (BA), lembra que, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2017, a atividade docente é predominantemente feminina no Brasil e, na região Nordeste, especificamente, está o maior índice de professoras negras (57,6%).

A partir de seu trabalho nas escolas municipais e entrevistas com professoras, a historiadora percebeu que a presença de docentes negras não se reverte necessariamente na adoção de práticas antirracistas nas escolas, pela ausência de autoconscientização racial e pela falta de envolvimento pragmático do corpo docente. Essa percepção foi um dos motivos para a criação do guia.

Silva aponta que ainda há um longo caminho a percorrer para se alcançar uma educação antirracista no país. Ela conta que alunos e professores muitas vezes desconhecem o assunto, apesar de praticarem e sofrerem racismo cotidianamente. A historiadora dá exemplos a partir de sua experiência em sala de aula: “Tem gente que dizia: ‘Eu não sou negro, não, de jeito nenhum que eu sou negro’”.

Ela percebe, entretanto, que movimentos recentes no Brasil e discussões na mídia sobre racismo e estética negra têm tido um significativo impacto nos estudantes: “Uma coisa que as professoras sinalizam na entrevista, e que eu percebi também, na minha experiência, foi a autoestima das meninas em relação à liberdade para usar o cabelo do jeito que elas querem usar, ou na forma de um black [power] ou das tranças, dos dreads, de diversas formas”, analisa, referindo-se a diferentes penteados entre estudantes. “As meninas e os meninos se sentem com mais liberdade para fazer isso, isso é uma coisa que vejo como resultado do debate na mídia e o debate que a escola já vem fazendo e uma parte da sociedade.” 

A partir de sua experiência na sala de aula, defende: “Para mim, todos os conteúdos estão imbricados com a questão racial. No meu modo de pensar, eu não consigo ver uma coisa desvinculada da outra. O conhecimento é uma grande teia”.

“Uma das principais funções que eu vejo no ensino das relações étnico-raciais é ensinar a gente a se defender”, conclui a historiadora. “É preparar os meninos e meninas, negros e indígenas, para de fato ocupar seu lugar no mundo e entender que lugar é esse. Entender o que a gente consegue fazer individualmente e coletivamente para construir um mundo mais justo.”

Silva conta que ainda não decidiu em qual meio será publicado o guia. Afirma que irá doar cópias para as escolas do município e posteriormente divulgará em revistas, sites ou blogs para a consulta de toda a população.

Confira algumas dicas do guia:

O que é racismo? 

É a ideia de superioridade de determinados grupos de pessoas sobre outros. 

“É uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo ao qual pertençam”. (ALMEIDA, 2018, p. 25).

Há dois tipos de crime: racismo e injúria racial. Segundo a Constituição Federal de 1988, Artigo 20 da Lei nº. 7.716/1989 o crime de racismo é contra um grupo de pessoas, de acordo com o Parágrafo 3º do art. 140 do Código Penal a injúria racial é quando o alvo é apenas um indivíduo.

E como o racismo se manifesta?

De acordo com a cartilha lançada no ano de 2016, pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-SEPPIR, “é comum a prática racista camuflar-se em situações cotidianas ou formas de brincadeira. A pessoa racista age de maneira preconceituosa, mas não admite seu preconceito”.

Algumas das manifestações mais comuns do crime de racismo são:

1: Apelidar, de acordo com as características físicas, a partir de elementos de cor e etnia da vítima;

2: Inferiorizar as características estéticas;

3: Considerar a vítima inferior intelectualmente, podendo até negar-lhe determinados cargos no emprego;

4: Ofender, verbal ou fisicamente, a vítima;

5: Desprezar os costumes, hábitos e tradições;

6: Duvidar, sem provas, da honestidade e competência da vítima.

O que diz o Estatuto da Igualdade Racial?

É a Lei 12.288/10 que institui o Estatuto da Igualdade Racial, e diz:

I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.

II – desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica.

Fui vítima de crime de racismo, o que devo fazer? 

De acordo com a cartilha “Racismo é Crime, Denuncie” de 2016, deve-se procurar a autoridade policial mais próxima e registrar a ocorrência, contando a história com o máximo de detalhes que lembrar e fornecendo os nomes e contatos das testemunhas. Também é preciso solicitar ao policial civil para incluir na queixa que deseja que o agressor seja processado. 

Fonte: Trechos extraídos do “Pequeno guia prático para uma educação antirracista”, autora: Maria Aparecida Alves da Silva, 2020.

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