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Acidente que vitimou dois trabalhadores revolta moradores e segue sem apuração

Por Pedro Henrique Fernandes

Já passava das três horas da tarde de 7 de julho, quando B.L.S., à época um dos funcionários da empresa Ero Construções e Engenharia Ltda., a serviço da Prefeitura de Porto Seguro, viu parte do solo à sua frente começar a ceder e desmoronar sobre seus companheiros Sandro da Cruz Régis e Lucival de Jesus Conceição. Percebendo a gravidade da situação, ele saiu correndo pela rua alertando os vizinhos e pedindo por socorro enquanto tentava fugir do deslizamento.

“Eu ainda tentei tirar o primeiro (Sandro) quando o barro começou a ceder e prendeu as pernas dele. Porém, conforme eu andava, o solo selava junto, e eu tive que sair desesperado, senão acabaria tendo o mesmo destino”, lembra B.L.S.

A obra em questão, que teve início no dia 7 de junho, consistia na instalação de manilhas de concreto que seriam responsáveis pela realização de desvio pluvial no Alto do Villas. Para tal, a prefeitura de Porto Seguro contratou o serviço da empresa Ero e contou com a presença de 11 operários para então dar início ao projeto.

Entretanto, tal projeto que em tese serviria para aprimorar a qualidade de vida dos comerciantes e moradores da rua, na prátic,a mostrou-se um verdadeiro pesadelo para eles desde o seu princípio. “Assim que deram início aos reparos, fui procurada pelo Eduardo (sócio-administrador da Ero Construções), que me alertou que eu, como única comerciante da rua, acabaria sendo prejudicada por se tratar de uma obra que acabaria interditando a rua e que não possuía previsão para ser finalizada”, relata Raimunda Maria Gonçalves Ferreira, proprietária do Mercadinho Quase Tudo, localizado na parte central da Rua Maria Moura.

Raimunda ainda nos revelou que, preocupada com os desdobramentos e possíveis prejuízos que poderiam atingir seu estabelecimento, sugeriu uma parceria junto com a empresa para que trabalhasse como fornecedora de marmitas para os operários. Segundo a comerciante, foi esse o acontecimento que proporcionou uma forte aproximação entre ela e os trabalhadores. “Antes do acidente, os meninos tinham a mercearia como um point para descansar e jogar conversa fora, inclusive eu brincava falando que eu havia adotado mais 11 filhos. Por isso a minha revolta com tudo o que aconteceu é tão grande”, desabafa.

Tragédia anunciada

Conforme as manilhas eram instaladas, e o projeto tinha continuidade, alguns moradores se perguntavam o porquê de a obra ter sido iniciada durante o mês de junho, uma vez que todos da região já estão familiarizados com as fortes chuvas que atingem o estado durante essa época do ano.

Essas chuvas acabaram sendo determinantes para a ocorrência dos deslizamentos, conforme abordado por Aline Marcelo, engenheira civil e coordenadora adjunta da Câmara Civil do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), em contato com a Ansuba: “Durante a semana, havia chovido bastante na área, o que contribuiu para que o solo ficasse encharcado e frágil enquanto o serviço de escavação da drenagem estava sendo realizado. Soma-se a isso a retirada dos materiais do solo em questão, eles estavam sendo colocados próximo à vala aberta sem quaisquer escoras de contenção conforme a norma técnica recomenda, e temos um caso evidente de descuido completamente evitável”. “Infelizmente, ainda é comum obras de engenharia dessa complexidade serem executadas sem equipamento de proteção coletiva e individual”, acrescenta.

“A Formação Barreiras é a unidade geológica comum na região, e os sedimentos que estão sobre ela são compostos por materiais geológicos que variam nas suas propriedades mecânicas e respondem de forma diferente à ação das chuvas, da gravidade e das obras de engenharia (cortes, aterros, sobrepeso de construções). É importante conhecê-los antes de iniciar qualquer obra, pois elas podem conter materiais muito argilosos e coesos, até sedimentos arenosos e soltos”, explica Caio Vinícius Turbay, geólogo e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.

O trabalhador B.L.S. relatou como eram as condições de trabalho no Alto do Villas: “A verdade é que não podemos dizer que a terra que caiu sobre eles desmoronou do nada, sem ter dado algum indício de fragilidade antes. Uns dois, três dias antes, o barro já quase havia cedido em cima de ‘Cabeludo’, um dos nossos companheiros, mas até então levamos esse episódio na esportiva por concluirmos que foi apenas azar e um caso isolado. Partindo disso, dá para dizer de certa forma que o diâmetro daquela área ali estava perigoso, porque se selou e por pouco não caiu, então os outros também estavam soltos.”

A rua hoje

Mesmo após mais de dois meses depois do ocorrido, quando visitamos o local, a rua ainda convivia com as consequências da tragédia e, ao que tudo indica, sem qualquer perspectiva de melhora. Até o momento, segundo Raimunda, a obra não foi retomada. Depois de muita reclamação, a prefeitura realizou uma intervenção provisória que, ao menos, viabilizou que os automóveis voltassem a trafegar por ali, depois de quatro meses de interrupção da via.

A comerciante, munida de toda a sua insatisfação, tentou, por meio das redes sociais, mobilizar e buscar ajuda para a população e comércio local por meio de fotos e vídeos da situação da rua. Entretanto, ate agora, a obra não foi retomada.

“Depois disso tudo, sua rua vai estar calçada, terá acesso a ônibus, o ponto de ônibus ficará em frente a seu estabelecimento”: essas foram algumas das promessas dadas a Raimunda durante o período de obras, e que, hoje, parecem ainda longe de serem realizadas, por conta de uma tragédia que, sim, poderia ter sido evitada. “Eu só queria que tudo voltasse ao normal”, revela a dona do Mercadinho Quase Tudo.

A Ansuba tentou entrar em contato com o sócio-administrativo da Ero Construções e Engenharia Ltda, Eduardo Rogério de Oliveira, e com seu encarregado, Francisco, mas não obtivemos retorno.

Também contactamos a Prefeitura de Porto Seguro, que não nos deu retorno. No dia do acidente, a prefeitura divulgou a seguinte nota, por meio de suas redes sociais: “A Prefeitura de Porto Seguro vem a público lamentar e externar o mais profundo pesar pelo acidente, que vitimou Sandro da Cruz Regis e Lucival de Jesus da Conceição. As obras eram executadas pela empresa Ero Construções e Engenharia Ltda., à qual cabia adotar as devidas precauções para a segurança de todos os trabalhadores, conforme a legislação vigente”.

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