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Protesto chama a atenção para violência contra mulheres em Porto Seguro

Por Natty Gomes

Maria (nome fictício), jovem de 23 anos, cheia de sonhos, como tantas outras pessoas, mudou-se para Porto Seguro junto do companheiro com a intenção de realizar o sonho de ter uma vida tranquila em família. Ela é moradora do distrito de Arraial d’Ajuda no extremo Sul da Bahia, há pouco mais de seis anos. Quando se mudou para a cidade, estava grávida do primeiro filho, com apenas 17 anos. Hoje com duas crianças pequenas, respectivamente de dois e seis anos, e à espera de seu terceiro filho, seu sonho ficou no passado: cotidianamente, ela se vê obrigada a viver em um relacionamento abusivo, que envolve gritos, humilhações, socos na parede e até ameaças de morte.

Ela conta que já tentou deixar o relacionamento por diversas vezes, sem sucesso. “É mais seguro para os meus filhos ter um teto para morar. Eu peço a Deus que nada de mal aconteça, pelo menos não falta de comer para os meninos”, relata ela. Uma das tentativas que fez de afastar-se do abusador foi a mais marcante: “Eu fui embora com meus dois filhos. Assim, do nada, ele me acordou às 4h30 da manhã. Eu estava ardendo em febre por causa de um dente inflamado, e no dia anterior não consegui levantar. Então ele socou a parede, gritou comigo e falou que eu não servia pra nada”. “Fiquei sem reação, esperei ele sair de casa, fui à vizinha e liguei para minha irmã, que falou que poderia me ajudar com o valor do transporte e que poderia me ajudaria com um emprego já certinho na minha cidade, ela então fez um PIX na conta da vizinha e consegui um frete no mesmo dia. Me arrependi.”

Seus familiares são de Ilhéus, cidade a 284 km de Porto Seguro, e ela revela que tem pouco contato com eles, pois, na época, há seis anos, não aceitaram sua gravidez precoce. O único contato então foi sua irmã, que a auxiliou com o retorno, mas também mora na casa dos pais, hoje com dois filhos. “Quando cheguei a Ilhéus, não tinha o tal emprego, pois, segundo o dono do comércio, meu filho ter dois anos iria me fazer faltar muito. Meus pais, que, desde o início, não me queriam na casa deles, começaram a reclamar todos os dias, pois não davam conta de sustentar todo mundo”.

“Orgulhosa que sou, fui dormir na rua depois de ouvir uma proposta indecente de um colega do meu pai que disse que me bancaria se eu dormisse com ele, foi um inferno, um terror… Meu filho acabou adoecendo e não tive mais como recorrer a ninguém. Pedi perdão para meu esposo e voltei. Mas agora é pior, pois eu não posso nem comer”, revela.

Como Maria, muitas mulheres vítimas dessas agressões têm dificuldade em perceber que essas atitudes são também formas de violência e estão previstas na lei que as ampara e que neste ano comemora 16 anos. Trata-se da Lei nº 11.340/2006, também conhecida como a Lei Maria da Penha, que prevê cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. O documento é considerado um divisor de águas na luta contra a violência baseada no gênero.

A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Segundo informações do Instituto Maria da Penha – ONG fundada pela farmacêutica cearense que deu nome à lei – a lei atende ao que é preconizado por tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, como a Convenção de Belém do Pará, o Pacto de San José da Costa Rica, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

A rotina de Maria envolve basicamente os afazeres do lar, ora em seu barracão de tijolos aparentes e chão batido, ora cuidando de algumas plantas do lado de fora. Pela manhã, ela leva a filha para a escolinha e bem cedo começa a preparar o almoço, em um fogão de tijolos improvisado do lado de fora da casa: o prato do dia será macarrão e ovo para os filhos. Tento entender a parte em que fala que não pode comer, e com lágrima nos olhos ela conta novamente sobre a última vez que tentou sair: “Eu não apanho, ele ate que é um bom pai. Eu só não gostaria que meus filhos achassem que isso é normal, é uma situação muito triste passar por tudo isso”.

Noto, nesse momento, que Maria acaricia a barriga, e entendo que ela esta grávida. Ela explica que não foi mais autorizada a utilizar métodos contraceptivos e revela que passa vários dias sem comer, pois o companheiro, que tem a posse do cartão do Auxilio Emergencial, compra comidas de forma fracionada para atender apenas aos filhos pequenos. Ele chega somente à tarde, depois de trabalhar como autônomo na praia. Maria acredita que essa é uma forma de “punição”, após ter saído de casa. Após esse ocorrido, seu companheiro fica com o cartão do benefício e todo o dinheiro necessário para suprir as necessidades básicas da família.

A poucos quilômetros de onde Maria reside hoje, no centro de Arraial d’Ajuda, um grupo de mulheres organizou em julho deste ano uma manifestação pública pedindo providências ao poder público local após ocorrências recentes de violência de gênero que foram destaque na imprensa da região. O movimento “Seguras e sem Medo” (@segurasesemmedo) foi idealizado pelas amigas Maira, Fernanda, Camila, Rosane e Lohana após um caso de estupro ocorrido na cidade poucos dias antes. Na ocasião, uma jovem de 21 anos foi violentada enquanto seguia a pé para sua residência após os festejos de São João no Parque Central. O criminoso já foi identificado e ainda segue foragido

O grupo Seguras e Sem Medo reuniu, na ocasião, mais de 200 pessoas.  “Após a manifestação, em prol da luta pela segurança de todos e pelo respeito às mulheres, o grupo foi muito procurado muitas mulheres pedindo ajuda, e assim outras demandas foram surgindo, fazendo necessário ouvi-las e atendê-las o mais rápido possível”, explica Maíra Rodrigues, uma das organizadoras. “Agora, estamos convidando toda a comunidade a assinar uma petição no site Avaaz, endereçada ao prefeito Jânio Natal e vereadores, a fim de que sejam atendidas algumas demandas que surgiram a partir do primeiro encontro.”

Segundo a ativista, algumas demandas solicitadas na petição já foram atendidas, como a ampliação do horário dos transportes públicos e rondas policiais no centro e bairros mais afastados. A luta é para uma atenção especial às creches, com a manutenção de seu horário integral, além de mais segurança. 

Toda mulher em situação de violência doméstica pode buscar o Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) em seu município. Em Porto Seguro, o CRAM integra uma rede de equipamentos de enfrentamento à violência contra a mulher e oferece acolhimento e acompanhamento interdisciplinar (social, psicológico, pedagógico e de orientação jurídica) às mulheres em situação de violência de gênero. A equipe do CRAM de Porto Seguro organiza um Grupo de Mulheres, que realiza atividades coletivas como cursos e rodas de conversa. “A forma de acesso a toda a rede de proteção e enfrentamento a violência contra as mulheres pode ser encaminhada pelos órgãos públicos, ou por demanda espontânea”, explica Dayara Carvalho, Coordenadora do CRAM. Ela relata que, na cidade, são realizados mensalmente 60 atendimentos, em média.

Grupos de apoio podem ser grandes aliados, pois a violência doméstica provoca sérias consequências psicológicas para as vítimas, como ansiedade e depressão. O medo de uma agressão física ou de uma situação de confronto costuma deixá-las em um estado de estresse constante ou em uma permanente apatia. A significação desses sentimentos é o objeto de estudo de uma pesquisa coordenada pelo psicólogo Rafael Andrés Patiño, da Universidade Federal do Sul da Bahia. O estudo reúne cerca de 100 mulheres de bairros periféricos de Porto Seguro, entre elas agentes comunitárias de saúde e jovens. O objetivo é dar um significado às suas dores, utilizando diversos materiais disponíveis, para expressar como uma perda ou violência sofrida afeta a vida cotidiana. O projeto ainda está em andamento e busca avaliar os traumas emocionais causados pela violência urbana em geral, incluindo a doméstica.

“As raízes da violência contra as mulheres estão na discriminação histórica sofrida. Seu papel na sociedade sempre foi visto como secundário”, diz Patiño. “A violência, de modo geral, é entendida apenas como a violência física. Para muitas mulheres, o processo de denúncia é um processo de revitimização, em si, considerando a forma como são tratadas nas delegacias e em alguns serviços”.

Ele exemplifica com o caso de mulheres que perderam seus filhos, vítimas de assassinatos, e que não encontram um retorno respeitoso por parte das delegacias e outros órgãos públicos. E aquelas que sofrem algum tipo violência alegam não denunciarem porque teriam que outra vez contar sua história e relembrar momentos traumáticos. “Esses relatos são muito comuns. As mais jovens reconhecem a privação de direitos, as formas de exclusão, e o machismo nas relações de gênero como formas de violência que as afetam, que as ferem, e que indignam”, diz o pesquisador. “As mulheres que trabalham como agentes comunitárias nos fazem entender a violência urbana cotidiana das ruas que elas percorrem em seu trabalho, em algumas circunstâncias.”

Crescimento em 2021

Segundo o Anuário de Segurança Pública – dados de 2021, praticamente todos os índices relativos à violência contra mulher apresentaram crescimento no ultimo ano no país.  Houve 3,3% de aumento na taxa de registro de ameaças, crescimento de 0,6% na taxa de lesões corporais dolosos em contexto da violência domestica. Entre 2020 e 2021 houve um aumento significativo de 23 mil novas chamadas de emergência para o 190 das polícias militares. Significa que houve em média uma ligação, por minuto, em 2021, para a polícia, denunciando agressões relacionadas à violência doméstica.

O Anuário demonstra que a taxa de feminicidio caiu, mas outras formas de violência contra a mulher cresceram. O Fórum Brasileiro de Segurança Publica antecipou os dados coletados para o Anuário de 2022: uma em cada quatro mulheres de 16 anos ou mais foi vítima de algum tipo de violência nos últimos 12 meses no Brasil, o que corresponde a 17 milhões de mulheres. Os dados também indicam que uma mulher é vítima de feminicídio a cada 7 horas, o que significa dizer que, ao menos três mulheres morrem por dia no Brasil, apenas por serem mulheres. Quase a metade, 48%, foram agredidas e violentadas dentro de suas próprias casas, e 32% não procuraram apoio em qualquer tipo de instituição. Somente 12% das mulheres agredidas denunciaram a violência na Delegacia da Mulher, e apenas 7% acionaram o 190.

Na Bahia, ocorreu um caso de violência contra a mulher a cada dois dias em 2021, segundo mostra o Anuário “Elas vivem: dados da violência contra a mulher”, da Rede de Observatórios da Segurança. O número de vítimas pode ser muito maior, pois muitas mulheres têm dificuldade de realizar a denúncia, por vergonha e medo de que familiares saibam do ocorrido e pela morosidade do sistema de Justiça em processar e condenar os agressores.  A Rede de Observatórios da Segurança divulga o relatório sobre violência contra mulher anualmente. O estudo, que já era feito com Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, agora passou a incluir Maranhão e Piauí.

Petição

https://secure.avaaz.org/community_petitions/po/ao_sr_prefeito_janio_natal_e_vereadores_da_camara__seguranca_para_as_mulheres/?fpla

Serviço

CRAM – PORTO SEGURO

Centro de Referência de Atendimento à Mulher

Atendimento psicossocial e jurídico

(73) 3288-5576 fixo e whatsapp

Email: cram.portoseguro@gmail.com

www.facebook.com/crammulherps

Para saber mais:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html

http://www.mulheres.ba.gov.br/

https://mulhersegura.org/preciso-de-ajuda/centro-de-atendimento-a-mulher-em-porto-seguro
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=5
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf

http://observatorioseguranca.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2022/03/EMBARGO-ATE-5AM-1003_REDE-DE-OBS-elas-vivem_-2.pdf

https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/

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