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Batalha do Complexo: rimas do rap ocupam praça do Baianão

Por Beatriz Viana

Noite de domingo, 04 de setembro, e Wender Santos chega à Praça do Trabalhador cerca de 20 minutos antes do evento. No guidão da bicicleta, uma caixa de som portátil. O organizador do encontro que começa logo mais inicia uma playlist de raps na caixa, e logo se aproximam os parceiros que dão suporte a ele, com tripé, prancheta e câmera. Mais de 20 pessoas já se aglomeram no local, número que só aumentará até se iniciar a 186° edição da Batalha do Complexo.

Megamente, nome artístico de Wender, chama, então, os MCs que pretendem digladiar-se naquela noite, para uma reunião em que ele passa orientações e coleta o nome dos concorrentes. Os nomes são numerados, e, para definir as duplas, o organizador pede a alguém da plateia para escolher um número. Cada número escolhido corresponde a um MC.

O organizador do encontro abaixa o volume do som e chama as pessoas que estão dispersas pela praça, avisando que terá início a batalha. As pessoas, a maioria pretas e pardas, usam camisas largas, cordões, boné aba reta, óculos juliette, bolsa estilo shoulder bag, shorts, cropped, blusa de times de futebol – é o chamado estilo streetwear, complementado pelos cabelos trançados ou em outros estilos afro. Os espectadores formam uma meia lua. Os nomes dos MCs presentes são anunciados e, antes do começo de cada confronto, o apresentador ou outro MC puxa uma espécie de grito de guerra ao qual os espectadores respondem com gritos e com as mãos para cima.

É impossível falar de batalhas de rima na região extremo sul da Bahia sem citar a Batalha do Complexo, que hoje é referência e uma das únicas que permanece em atividade atualmente. A batalha engloba um subgênero do rap de nome freestyle, que é caracterizado por letras improvisadas na hora. Os MCs, “mestres de cerimônia”, como são chamados os artistas que atuam na vertente do rap, precisam manter o ritmo em que começaram a rimar. O evento acontece semanalmente, aos domingos, a partir das 19h, na Praça do Trabalhador.

No fim de cada round, todos aplaudem, e quem está conduzindo o confronto se dirige à plateia para que ela decida quem ganhou, por meio dos aplausos e gritos. Os MCs rimam com uma base (beat) de fundo para ditar o ritmo dos versos.

Na roda, os confrontos se sucedem: Psicodélico X Ant, Crazy X Flex, Zóih X KMS e MV X Zilla. As rimas atacam o adversário. “Esse cara quer ver uma guerra santa/ Eu prefiro a paz pagã/ Mano essa você vai se perder/ porque quem tá pronto pra guerra mano, também tem que tá pronto pra morrer”, canta Ant. E Psicodélico responde: “Paz pagã é o car***/ pronto pra morrer, e você sequela/ Fo***-se a paz pagã, porque o Psico é a arte da guerra”.

KMS lança o verso: “Você tá mais pra filha do Seu Madruga/ E olha que eu vou chegando aqui sem caô, depois que perde a batalha só fica no chororô”. Zóih ataca de volta: “Filho do Seu Madruga? Mas você é muito cruel/ então baixa a bola Seu

Barriga, não vou pagar aluguel”.

Apesar das rimas afiadas e respostas ácidas, o ambiente é de muito respeito entre os MCs. Após o fim da cada round, eles se abraçam e aplaudem um ao outro. No intervalo entre a primeira fase e a semifinal, ocorre o “Momento Poesia”, em que o espaço fica aberto para quem tiver interesse em recitar um poema. A vitória da noite foi de Psicodélico, que arrancou aplausos do público.

Megamente conta que é importante o MC tentar ser um exemplo para seu público. Por isso ele diz que toma cuidado com o que vai ocorrer durante as batalhas. “Fazer com que seja literalmente um espaço cultural de entretenimento, onde famílias, crianças possam colar.” O MC emenda, com um sorriso no rosto: “O rap de fato muda as coisas, muda tudo. Quando a gente entende o propósito real do rap, a gente muda totalmente a visão do dia-a-dia”. “Eu vejo e procuro ser o mais gentil possível, na questão de tirar a galera do caminho errado. A gente procura mesmo incentivar o estudo, a evolução do conhecimento. Afinal, a maior força contra o sistema é o conhecimento. Tento transmitir o máximo de confiança para que as pessoas possam não desistir da vida e focar sempre na melhora de vida”.

Campeonato nacional

Em 2022, Porto Seguro foi sede de uma das pré-seletivas para o Duelo de MCs Nacional (DMN), que reúne representantes de todos os estados e do Distrito Federal. O campeão regional foi o MC MV (Marllon Vieira), de Porto Seguro, que  representou o extremo sul baiano no estadual em Salvador, cerimônia que ocorreu no dia 20 de novembro deste ano. A Prefeitura da cidade deu suporte com a estrutura do evento.

MC MV conta que começou a rimar em 2018 ainda na escola, a partir da influência de um amigo, que o apresentou a esse universo de batalhas de rima. Esse amigo contou a ele que havia uma batalha acontecendo no Centro (Porto Seguro) – a Batalha do Descobrimento – e despertou o interesse de MV, que chegou a ir no local, mas, por conta do nervosismo, não conseguiu batalhar na primeira vez em que foi ao evento: “Na outra semana eu voltei pra batalhar. E foi quando eu percebi que era aquilo que eu queria mesmo. A minha primeira batalha eu consegui ganhar.

E dali para a frente eu percebi que era aquilo que eu queria pra minha vida.”

Marllon ainda não consegue se manter apenas com sua arte, mas quer alcançar essa meta em um futuro próximo. Pretende lançar suas primeiras canções ainda este ano. Segundo ele, já possui três músicas gravadas e em processo de pós-produção.

Assim como o MC Megamente, MV descreve a importância do Rap em sua vida: “O Rap me ensinou através da música que existe uma forma melhor de viver, que é saber respeitar o espaço do outro e nem permitir que alguém ultrapasse seu espaço. Não sei o que eu seria hoje sem o Rap.”

A professora Verônica de Souza, do Instituto Federal da Bahia (IFBA) em Porto Seguro, desenvolve pesquisas há quase duas décadas a respeito do movimento Hip Hop. Integrante da Universal Zulu Nation, organização não governamental referência dentro do universo do Hip Hop, com várias sedes ao redor do mundo, ela começou sua trajetória no mundo do Hip hop ainda na adolescência.

Oriunda de Salvador, ela entende o ambiente das batalhas de MCs como um espaço político: “A gente encontra esse espaço como espaço político de construção de verdade. As batalhas, elas são famosas, elas são conhecidas, mas [temos que pensar] como é que elas estão movimentando e gerando a diferença para a molecada desses lugares onde elas estão alocadas.” Veronica ressalta que as batalhas são espaços de muita força e que podem ser usados de forma a fazer a diferença, criar uma comunidade e impactar as pessoas que estão em volta de maneira política e muito potente.

Ela entende que o Hip Hop, pela capacidade de atrair jovens que vivem em contextos de muita vulnerabilidade social, “salva vidas”. “Isso deve ser levado em consideração em primeiro lugar. Ainda mais que se trata de um lugar em que as crianças são vítimas, que o estado pode agir de maneira um tanto quanto incisiva. O Hip hop como ferramenta deve ser muito bem cuidado.”

A pesquisadora ressalta que a Batalha do Complexo é um movimento muito forte na região do Baianão e que tem potencial para gerar transformações locais: “Em relação ao evento em si, é bom dizer que sempre, em qualquer instância, o movimento Hip hop é para salvar vidas, é pra fazer a transformação, é pra ascender socialmente e intelectualmente, todos que são por ele atingidos”.

Em 12 de abril de 2021, foi aprovada e sancionada a Lei Municipal N° 1629/21, que declara como Patrimônio Cultural Imaterial de Porto Seguro a cultura Hip Hop e suas manifestações artísticas. A lei assegura uma série de potenciais benefícios para os movimentos culturais relacionados ao Hip Hop, reconhecendo seu potencial cultural, turístico e inclusive pedagógico – prevendo, por exemplo, que as escolas do município poderão desenvolver ações relacionadas com a cultura hip hop, no âmbito das discussões étnico-raciais e do enfrentamento ao racismo.

Até o momento, contudo, a lei não vem sendo colocada em prática, na avaliação dos MCs da Batalha do Complexo. “Eu já me disponibilizei a comparecer em eventos que são da prefeitura, prometendo coisas e quando vai ver não acontece”, conta MV.

Mais informações sobre a Batalha do Complexo podem ser encontradas nas redes sociais. Facebook: Batalha Do Complexo – Página inicial | Facebook |

Instagram: @batalhacomplexo_oficial |

YouTube: https://youtube.com/channel/UCtPBAZxBWVg1uIEMQNWZO-g

Mais informações sobre o trabalho do MC MV podem ser encontradas nas redes sociais. Instagram: @_mv073

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