App desenvolvido com alunos transforma RPG em ferramenta didática para professores

17 de julho de 2025
App desenvolvido com alunos transforma RPG em ferramenta didática para professores
Estudante finalizando desenho de seu personagem de RPG — Crédito: Kamila Rocha

Por Kamila Rocha

— O que começou como uma pesquisa de mestrado se transformou em um projeto inovador: um aplicativo desenvolvido com alunos, que ajuda professores a utilizarem Role-Playing Game (RPG) como ferramenta pedagógica. A iniciativa foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnicos-Raciais (PPGER) da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). 

A pesquisa desenvolvida pela professora Martha Matos, no Complexo Integrado de Educação Básica de Porto Seguro (CIEB), analisou como o RPG pode promover um ensino interdisciplinar e crítico, tendo como base o conto “Filhos de Sangue”, da escritora afrofuturista Octávia Butler. 

Além de trazer suas próprias vivências de como o RPG foi importante em sua formação, Martha destaca o jogo como metodologia de ensino que contribui para o entendimento nas relações sociais no ambiente escolar.  

‘’O RPG, ele é importante para mim como pessoa, eu sou uma pessoa com autismo. O que desenvolveu a minha fala e a minha capacidade de entender social foi o RPG […] A metodologia é importante para tirar o poder da mão do professor e fazer o professor entender que ele também pode aprender junto’’, afirma.

‘’O RPG, ele é um jogo que trabalha muitas coisas. Ele trabalha narrativa, ele trabalha matemática, ele trabalha sociologia, ele trabalha geografia’’— destaca o oficineiro João Vitor. 

Mesa de RPG acontecendo durante oficina — Crédito: Kamila Rocha

O uso de metodologias ativas na oficina permite que os alunos explorem temas complexos e desenvolvam autonomia, criatividade e trabalhem de forma interdisciplinar no espaço escolar. 

‘’Eu sou apaixonada por ciências e me incomodava muito a divisão dos professores de dizer, isso aqui é de ciências, isso aqui é de redação […] eu olhava pros professores e falava, não acho que isso tá certo porque eu aprendi tudo junto fazendo RPG’, ’acrescenta a pesquisadora.

Ao interpretar personagens no jogo, os alunos são levados a pensar a partir de outras perspectivas, o que amplia sua capacidade de argumentação e reflexão. As mudanças também aparecem nas interações sociais dos jovens. Entre esses jovens está Pedro Alcântara, de 17 anos, estudante e participante da oficina de RPG. Ele destaca como as práticas de RPG foram importantes não só para seu desenvolvimento, mas também em sua vida:

‘’Eu aprendi algo muito único, que foi me comunicar. Eu sempre fui uma pessoa extremamente quieta durante o ensino médio, o ensino fundamental. Eu não sabia falar com ninguém, isso até dentro de casa e, ao chegar no RPG, foi uma mudança de 360° graus. Eu aprendi a realmente falar com as pessoas […] não foi só aprender a me comunicar, mas fazer amigos’’.

A professora exemplifica também com a história de Danilo, estudante com dificuldades de aprendizagem e uma escrita difícil, que surpreendeu ao tirar 880 pontos na redação do Enem. “A nota não resume o aluno. Não, a nota não resume, mas o presente para a família dele que foi esse 880, entende? Porque eu não resumo a nota. Eu resumo o cara que conseguiu escrever’’, afirma.

‘’Os alunos que vão para o RPG, normalmente não sabem o que falar, eles não têm uma prática de fala, eles não conseguem muitas vezes se comunicar ou expor os seus pensamentos. Quando eles vão para o RPG, depois de um tempo no RPG, eles começam a conseguir passar suas ideias, eles começam a falar, meu personagem faria isso, é meio que um pseudônimo […] é por causa do RPG, eles começam a conseguir falar, começam a conseguir apresentar trabalhos, fazerem seminários’’, ressalta João Vitor sobre o avanço dos alunos.

A continuidade da oficina para além da pesquisa, que inicialmente resultou em um manual de RPG feito por alunos, permitiu que João Vitor e os alunos desenvolvessem o aplicativo ‘’Vida Aventureira’’, que reúne regras, personagens e informações necessárias para criar e jogar RPG de forma acessível.‘’Nós vamos ter um banco de dados todo certo em um aplicativo. A pessoa só entra lá, faz o que ela quer, tem a ficha e começa a jogar, é simples.’’- explica o oficineiro João Vitor.

Oficina de RPG e duas mesas do jogo — Crédito: Kamila Rocha

 Além disso, um encontro aberto ao público com mesas de RPG e diversos jogos está sendo preparado. O evento, previsto para setembro, também será um espaço para discutir educação, literatura e a formação de novos educadores. Já o lançamento do aplicativo ‘’Vida Aventureira’’ está previsto para dezembro, inicialmente para aparelhos Android. Ambas as atividades devem ocorrer ainda este ano.

O que é RPG e como ele funciona

O RPG (Role-Playing Game, ou Jogo de Interpretação de Papéis) surgiu nos Estados Unidos na década de 1970, com a criação de Dungeons & Dragons, inspirado em jogos de estratégia e narrativas de fantasia. Desde então, o RPG se espalhou pelo mundo, assumindo diferentes formatos e temas. Jogar RPG envolve criar personagens fictícios e interpretá-los em uma história conduzida por um narrador — também chamado de mestre ou mestre de jogo. Os participantes descrevem as ações de seus personagens, tomam decisões baseadas em suas habilidades e valores, e interagem com o cenário proposto, muitas vezes usando dados para definir o sucesso ou fracasso das ações.

Mais do que um jogo, o RPG é uma experiência coletiva de criação de histórias, tomada de decisões e resolução de conflitos, que pode ser adaptada a diversos contextos — inclusive o educacional e emocional dos alunos, como demonstrado na pesquisa. ‘’O RPG não resolve todos os problemas, mas ele me ajudou muito a ser sociável a conseguir brincar, me ajudou muito a ser pessoa a ver o lado do outro a entender como o outro pensa […] Então, a perspectiva do RPG para outro espaço é pensar na qualidade de vida dos meninos’’, ressalta a pesquisadora.

Orientada pelo professor Francisco de Assis Nascimento Junior, a pesquisa Aventuras da Escrita no Ensino de Ciências: Afrofuturismos e jogos de RPG em práticas interdisciplinares de oficinas de redação está disponível para consulta no acervo de dissertações, no portal do PPGER.

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