Por Elaine França
Porto Seguro, na Bahia, é um dos destinos turísticos mais procurados do país. Segundo dados disponibilizados pela Prefeitura, em 2024, a cidade recebeu mais de 2,4 milhões de visitantes. Porém, o que é programado para ser um momento de lazer e descanso pode se tornar um destino fatal para muitos turistas e moradores, que são vítimas de afogamento na região.
De setembro de 2024 a outubro de 2025, o 6º Batalhão de Bombeiros Militar (6ºBBM) registrou cerca de 28 casos de afogamento. Entre os afogamentos, 16 foram com vítimas fatais. Segundo informações do tenente Teles, bombeiro do 6º BBM, as praias com o maior número de salvamentos e afogamentos costumam ser Taperapuã, Mundaí e Coroa Vermelha, por apresentarem uma grande concentração de banhistas.

Na avaliação dos especialistas ouvidos pela reportagem, as correntes de retorno são uma das causas dos afogamentos na região. A bióloga Gleiciane Marques, bacharel em Biologia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), explica:
“Embora muitas vezes passem despercebidas, essas correntes podem representar grande perigo para os banhistas, especialmente os que não conhecem seu comportamento […]. Geralmente, elas se formam em locais onde surgem canais estreitos, frequentemente entre bancos de areia ou locais com profundidades maiores na costa. Nesses pontos, a água que chega à costa trazida pelas ondas e pela maré alta precisa retornar ao oceano […] Esse escoamento acelerado é o que chamamos de corrente de retorno.”
“O perigo está no fato de que, ao ser arrastado por ela, o banhista é rapidamente levado para áreas mais afastadas da costa, onde a profundidade aumenta e é mais difícil tocar o fundo do mar. Nadar contra essa corrente pode ser exaustivo e até fatal”, complementa Gleiciane.
Gleiciane ainda ressalta que esse fenômeno pode acontecer em qualquer ponto que apresente condições favoráveis, como recifes, variações de profundidade ou canais naturais e que há locais que acontecem com mais frequência. “Em Salvador, por exemplo, a Praia do Barravento é conhecida por registrar correntes de retorno quase de forma permanente. Já em Porto Seguro, esse tipo de corrente acontece de maneira mais esporádica, especialmente na Orla Norte, seguindo até Coroa Vermelha.”
“Nessa situação o banhista não deve nadar contra corrente, pois isso causa exaustão. O correto é manter a calma, flutuar e nadar lateralmente, até sair da área de retorno e conseguir retornar à praia com segurança”, orienta o tenente Teles.
Em maio de 2025, o Corpo de Bombeiros resgatou um adolescente de 12 anos que se afogava na Praia das Pitangueiras, em Porto Seguro. O adolescente se afogava com mais dois amigos também adolescentes. Um deles conseguiu sair do mar sozinho, enquanto o outro foi resgatado por um banhista antes do Corpo de Bombeiros chegar ao local.
A banhista Marília Lacerda, que presenciou o momento do afogamento, relatou:
“Quando nós percebemos o afogamento já estava acontecendo, o mar estava muito forte, as ondas muito fortes”. “Ali é um local de bastantes correntezas, não há sinalizações, então só quem realmente conhece aquela região sabe que não deve entrar. E é bastante perigoso porque não há sinalização e não há salva-vidas”.
Marília é moradora de Porto Seguro e conta que esse tipo de situação está sendo recorrente na cidade.
“Geralmente os turistas que não conhecem, acabam passando por situações de afogamento”, conta ela, que também alerta que “para os turistas é mais difícil, porque não há sinalização nas praias indicando o perigo”.
Mesmo sendo moradora de Porto Seguro há 34 anos, ela não sente segurança para deixar os filhos passearem na praia com os amigos.
“Qualquer descuido ali é fatal. E seria primordial um salva-vidas naquela região específica, devido a haver muitos jovens”, explica, em relação à Praia das Pitangueiras, próximo à praça do Mamagaya, local onde os três adolescentes quase morreram afogados.
Segundo dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa), o risco estimado de morte por afogamento em praias sem guarda-vidas é 60 vezes maior. Ainda segundo informado pela Sobrasa em seu sítio na internet, o maior risco de morte por afogamento acontece entre pessoas de 15 e 49 anos, e cerca de 65% dos afogamentos no país ocorrem nos fins de semana.
A Sobrasa apresenta-se como uma ONG fundada em 1995 para congregar guarda-vidas de todo o país, sejam bombeiros militares ou civis. Realiza cursos de formação para guarda-vidas voluntários, além de outras ações de prevenção aos afogamentos (www.sobrasa.org).
No dia 6 de outubro de 2025, Maria Aparecida F. S., de 51 anos, morreu afogada na praia em local próximo à Cabana Malibu, no bairro de Taperapuã, em Porto Seguro. Marília era de Montes Claros (MG) e passava o final de semana na cidade com o companheiro e a filha.
O casal de turistas Lucy Lessa e Eduardo, de São Paulo, estavam a passeio na praia de Taperapuã e afirmaram que não receberam nenhuma orientação sobre os riscos das praias ao chegarem na cidade. “[Caso recebêssemos], seguiríamos as orientações, porque não conhecemos o mar”, diz Lucy. Antes de chegarem a Porto Seguro, estavam a passeio em Guarapari (ES) e, segundo eles, as praias de lá, além de contarem com vários salva-vidas, têm sinalização. “Aqui o mar é bem brabo”, finaliza Lucy.
A Sobrasa alerta que, em todo o país, 3% de todas as mortes por afogamento envolvem turistas, sendo 23% delas de Minas Gerais, 19% em São Paulo e 15% no Paraná. Os locais de maior ocorrência do afogamento com turistas são: Santa Catarina (18%), Espirito Santo (13%) e Bahia (12%). Segundo a entidade, é preciso haver mais investimento em prevenção ativa (sinalização) e reativa (guarda-vidas).
Dados do Ministério da Saúde apontam que, entre 2010 e 2023, o Brasil registrou um total de 71.663 mortes por afogamento. Os maiores envolvidos nesses acidentes são crianças e adolescentes. No período da análise, 12.662 casos (17,7%) foram com adolescentes de 10 a 19 anos. E 5.878 (8,2%) tiveram como vítimas crianças de 1 a 4 anos.
Segundo o Tenente Teles, os banhistas devem evitar nadar após ingerir bebidas alcoólicas e não se afastar da faixa de areia.
“Também é importante respeitar as condições do mar e não superestimar suas habilidades de natação”, diz o oficial.
Ele também destaca que o fortalecimento da educação preventiva pode reduzir os números de afogamento na região.
“Os casos geralmente estão ligados a uma combinação de fatores, mas a imprudência ainda é o principal. A falta de estrutura pode influenciar em alguns pontos, mas a maioria das ocorrências poderia ser evitada com atitudes simples de prevenção”, destaca o oficial.
De acordo com o tenente, o Corpo de Bombeiros realiza, periodicamente, ações preventivas como o Projeto Anjinhos da Praia, voltado para educação de crianças e famílias sobre a segurança no mar. Além disso, são intensificadas as ações preventivas e de orientação a população durante o verão e grandes eventos turísticos.

Além das ações do 6º BBM, voluntários da Sobrasa também atuam na região de Porto Seguro com o objetivo de reduzir os casos de afogamento. A PS Treinamentos é uma empresa de treinamentos e serviços de guarda-vidas e também atua na região como voluntários da Sobrasa com ações de conscientização, de forma gratuita, por meio de palestras, workshops e conteúdos nas redes sociais.
“O afogamento pode ser evitado, tanto que a Sobrasa o caracteriza como um incidente, não como acidente”, aponta Mateus Almeida, diretor da PS Treinamentos. Para ele, a prevenção é fundamental: “O primeiro pilar a ser trabalhado é a educação, ela levará o conhecimento para a população para não se colocar em risco”.
O profissional aponta que é importante o poder público fazer sua parte, com a conscientização em massa e com a presença dos guarda-vidas nas praias. Para ele, a falta de guarda-vidas em Porto Seguro é um descaso:
“Estamos falando de uma das maiores cidades turísticas do Brasil. Não muito longe daqui, em Ilhéus, o município possui os profissionais, tanto militares quanto civis, e acredito que não se compara a dimensão turística de Porto á Ilhéus”.

Em outubro de 2022 foi aprovada de forma unânime pelos parlamentares na Câmara de Vereadores o projeto de lei Nº 095/2022, que tinha como objetivo criar 30 cargos efetivos de guarda-vidas, com carga horária de 40 horas. A seleção seria feita por meio de um concurso público.
Três anos se passaram desde a aprovação do projeto. Questionada sobre o andamento do concurso que iria promover os 30 guarda-vidas, a Prefeitura de Porto Seguro ainda não se pronunciou até a data de publicação dessa reportagem. O espaço permanece aberto para esclarecimentos.