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Depois de vencer a pandemia, universitários têm de lutar por ônibus

Por Marcus Mendes

Com o relaxamento das medidas de restrição relacionadas à pandemia, devido à baixa nos números de novos casos da Covid-19, as universidades, faculdades e escolas abriram as portas, em 2022, para a retomada do ensino presencial. Contudo, algumas instituições estão tendo problemas para cumprir e disponibilizar os benefícios estudantis prometidos ao público estudantil. Na região de Porto Seguro, a luta pela volta de um transporte público gratuito de qualidade tem mobilizado os alunos da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Em outubro, os estudantes do campus de Porto Seguro promoveram paralisação das aulas e uma manifestação na Câmara Municipal para buscar sensibilizar a sociedade local sobre os problemas enfrentados. As dificuldades com o transporte público gratuito são um dos principais obstáculos, atualmente, para a retomada das aulas, na avaliação do movimento estudantil.

Os ônibus disponibilizados pela prefeitura de Porto Seguro voltaram a operar em julho. São duas linhas, uma delas passando pelo centro da cidade e outra circulando pelos bairros. Diariamente, o trajeto previsto para a linha do centro começaria às 17h45, horário em que o ônibus deveria estar saindo da quadra do Campinho, para chegar ao campus da UFSB às 18h30 – quando as aulas se iniciam.  Geralmente, contudo, o horário em que o ônibus sai do ponto inicial varia entre 18h15 e 18h25, chegando algumas vezes ao destino com até uma hora de atraso. Nos quase quatro meses após a volta do transporte escolar, os estudantes da universidade contam nos dedos das mãos as poucas vezes em que o ônibus chegou no horário previsto.

No caso do ônibus dos bairros, a situação não é diferente: os atrasos de meia hora na saída da quadra do Campinho já se tornaram rotineiros. A superlotação que acontece no ônibus do centro se agrava no caso dos bairros, devido à quantidade superior de passageiros e pelo fato de um micro-ônibus, como já diz no nome, ser menor e suportar menos pessoas do que o escolar normal, Outro problema que afeta os alunos residentes nos bairros é a falta de opções de horários. Diferente do centro, que possui três horários de linha, os bairros só possuem um horário. Essa linha deveria passar por volta das 18h nas localidades para poder chegar no campus pontualmente.  

João Carlos Santos da Silva, 21, estudante do curso Som, Imagem e Movimento, é morador do bairro Baianão, o maior de Porto Seguro. Usuário do ônibus dos bairros, ele critica a qualidade do transporte: “O escolar dos bairros é muito inacessível porque ele só pega a gente em um ponto só que é na Praça da Caixa D’água, no Baianão. A galera que mora no Paraguai, na Vista Alegre, geralmente vem a pé ou de lotação para pegar o escolar”. “O escolar tem atrasado muito, não só o dos bairros como o do centro, fora que ele anda com muitos problemas técnicos, o do bairro ele anda quebrado…”

O estudante relata que o próprio motorista do ônibus já alertou os alunos para o risco de o veículo parar de funcionar, em função de problemas de manutenção: “O motorista falou que a gente corre risco de andar no escolar, corre risco de ele parar na pista, porque ele para de funcionar quando passa no quebra-molas. A gente passa vários riscos”.

João Carlos ainda lembra que houve ocasiões em que, em função de problemas técnicos no ônibus dos bairros, o ônibus do centro modificou seu trajeto, passando pelos pontos dos bairros e gerando uma superlotação ainda maior do que a que se enfrenta normalmente, a um ponto que considera “perigoso”. “É uma coisa que desanima muito a gente que é estudante.”             

O estudante de Jornalismo Felipe Moraes, 23, ingressou na UFSB em 2017. Ele relata que as condições na época anterior à pandemia eram semelhantes às atuais: “A diferença é que naquela época não havia os atrasos que existem hoje”.

“A luta pelo transporte sempre foi uma pauta coletiva do movimento estudantil da UFSB, dadas as dificuldades de implementação e também de qualidade, seja no governo municipal anterior ou no atual – ambos deixaram a desejar nesse quesito”, resume ele, que ocupou diversos cargos como representante estudantil. Segundo Felipe, apesar de um amplo histórico de diálogos com a Secretaria de Educação, até hoje o problema não foi resolvido: “Há vários bairros que não são contemplados, e diversos estudantes que são afetados pela falta do transporte.”

Hoje, como auxílio para o transporte municipal a UFSB oferece R$ 80 mensais, mas essa ajuda só abrange uma parte dos alunos, que devem participar de uma seleção, apresentando documentos comprobatórios. Caso consiga se cadastrar para o passe estudantil, o estudante poderá adquirir quase 36 passes (a R$ 2,25 a unidade, atualmente), o que possibilitaria ir à universidade durante 18 dias letivos – sendo que, em alguns meses, segundo o calendário, pode haver até 23 dias letivos.

Eunápolis tem dificuldade ainda maior

Na cidade vizinha, Eunápolis, a 64 quilômetros, as dificuldades são ainda maiores. Os Estudantes da UFSB não contam com nenhum apoio público e têm de pagar do próprio bolso para comparecer às aulas no campus Sosígenes Costa, que fica na estrada entre os dois municípios, a BR 367. E isso, apesar de o município apoiar com transporte estudantes de universidades particulares,

Ricardo Estael, estudante da UFSB que é morador de Eunápolis, conta que tem tido de pagar R$ 600 por mês pelo transporte até o campus, em uma van particular. Ele reclama que o preço é incompatível com seu orçamento, bem como o de outros estudantes de baixa renda que dependem dos auxílios da universidade. Caso consiga o auxílio que a universidade oferece, Ricardo poderá obter no máximo R$ 260, ou seja, ainda teria que arcar com R$ 340 do próprio bolso. Diferente de Eunápolis, o município de Santa Cruz Cabrália, a, aproximadamente, 23 quilômetros de Porto Seguro, oferece ônibus para os alunos da UFSB que lá residem.

Ex-decano e atualmente chefe de gabinete da reitoria da UFSB, o professor Richard Santos participou da negociação com as prefeituras para o retorno do transporte gratuito no pós-pandemia. Ele explica que a situação nos casos que demandam transporte intermunicipal é ainda mais complexa. “Ocorre que a universidade não tem essa proposta de ‘fornecer’ transporte entre os municípios e sim a responsabilidade de articular com os parceiros dos territórios, ou seja, entes públicos que se beneficiem da presença do campus na região”, argumenta.

Autor de livros e artigos sobre a temática racial, Santos analisa a situação à luz de sua experiência pessoal, como ex-estudante morador de comunidades carentes no Rio de Janeiro: “A partir da minha experiência pessoal e da experiência vivenciada no âmbito familiar pobre, favelado e negro, digo que a universidade não foi desenhada para gente como a gente”.

Na visão de Santos, essas dificuldades criadas pela negligência do poder público são uma espécie de dificuldade adicional para os mais pobres: “Poucos são os que conseguem furar essas barragens de peneiramento, e [quando o fazem], não é por meritocracia, é sim por apoio comunitário, noção de sobrevivência e desejo de superar o destino traçado para gente como a gente”.

Ele defende que a UFSB está fazendo todo o possível para atender os alunos, mas precisaria de apoio dos atores locais para resolver os problemas. “Pessoalmente, tiro dessa experiência que nem todos os gestores têm a mesma compreensão das necessidades e interações necessárias para que isso aconteça”. “A UFSB tem disponibilizado auxílios transporte e uma série de incentivos financeiros que ajudam a custear transporte e alimentação, ainda que possivelmente insuficiente para quem recebe, na realidade educacional nacional posta hoje”.

Apesar das dificuldades, Santos diz que mantém a convicção e que, com mobilização coletiva, a comunidade acadêmica poderá superar as atuais dificuldades. “Porém, [se] as dificuldades individuais e os caminhos de superação no âmbito individual são vividos e descobertos de forma particular, de outro modo, na perspectiva coletiva nos faremos mais fortes, traremos mais gente conosco, criaremos mais oportunidades, obteremos mais conquistas. Acredito piamente que apenas na atuação coletiva superaremos inclusive o que vivemos no âmbito individual.”

A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Educação para comentar a situação, mas não obtivemos resposta.

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